terça-feira, 10 de novembro de 2015

SEMPRE ACONTECE NOS DIAS NÃO



Sempre acontece nos dias não

Sempre acontece nos dias não
a tristeza que não queremos nos dias sim.
Como um pássaro que voa sem asas
ou como um campo de lírios, sem lírios.

Quem sabe, um dia morreremos
quem sabe, antes do tempo de morrermos
quem sabe, antes da hora marcada.

Isto é o resumo da vida, mais nada.
Um tempo, um contratempo, uma ida em contramão.

Sempre acontece nos dias não!


ana paula lavado ©  

Fotografia - Francisco Navarro

OS TEUS PASSOS



Os teus passos

São como as aves,
os teus passos,
voam no ar
e nos espaços,
que cabem nos abraços
dentro de mim.

ana paula lavado © 

Fotografia  - Francisco Navarro


quinta-feira, 24 de setembro de 2015

VENDAI-ME OS OLHOS



Vendai-me os olhos

Deitei a terra ao chão
nas raízes que o orvalho prolongou.

E na sombra escura
crescem álamos selvagens
sedentos de justeza,

mas a chuva sonâmbula
seca prematuramente
a hora tardia.

Vendai-me os olhos
que não verei a morte.

ana paula lavado©



segunda-feira, 14 de setembro de 2015

FAZ UM POEMA OUTRA VEZ



Faz um poema outra vez

Despe todas as palavras
como um vestido de linho

desnuda letra a letra
no silêncio do caminho

desflora o restante
numa alma de nudez

junta as letras já desnudas
e faz um poema outra vez.

ana paula lavado © 


quarta-feira, 9 de setembro de 2015

DEIXA O MEU CORPO MORAR NO TEU CORPO



Deixa o meu corpo morar no teu corpo

Deixa o meu corpo morar no teu corpo
como um pássaro de asas soltas
no alto dos montes.

Dá-me um rio,
nascido das tuas fontes,
com margens inquietas
e rumores tardios.

Estreita-me a saudade
no maior dos desvarios
e dissipa a ausência das noites
quando as noites não têm virtude.

Dá-me a tua mão,
somente a tua mão desnuda,
o silêncio da tua voz muda,
e a calma dos teus olhos prudentes.

Serei corpo alvo dos teus anseios,
travo doce na calma meus seios,
o amanhecer no tempo dos ausentes.


ana paula lavado ©  

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

SENTA-TE ESCREVE



Senta-te e escreve

Senta-te e escreve
dizem muitos.
Não há palavras interditas
não há palavras malditas
não há orgasmos por acabar.

Senta-te e escreve
dizem muitos.
E o sentimento que se procura em vão?
E as palavras que se matam em combustão?
Não há escrita sem palavras
nem palavras sem devaneio.
Há um mundo
que nos envolve em contradições
e contradições que nos prendem por permeio,
há a exasperada inquietude de não existir
de não pertencer
de não exercer
de não ser.
Vou, porque faz parte do verbo ir
sem convicções e sem promessas.
Tirem-me o peso das reacções convexas
e das masturbações solitárias.

Senta-te e escreve
dizem muitos.
Onde há palavras interditas
onde há palavras malditas
onde há orgasmos para orgasmar?

ana paula lavado © 

domingo, 2 de agosto de 2015

INCONGRUÊNCIA MENTAL

Incongruência mental

Há dias que são todas as vidas
há minutos que são todos os anos
há instantes que são desenganos
há segundos que são horas perdidas.

E quando desencantam os momentos
os pedaços que nos levam sem demora,
a mesquinha espera de quem vai embora
persiste na desonra dos tormentos.

Para onde se parte, se a hora é indevida
para onde se vai, se o rumo é indiferente.
Não quero mais tempo, não quero mais vida
não quero mais amor dentro do meu ventre.

ana paula lavado ©

sábado, 13 de junho de 2015

DEIXA-ME MORRER DE AMOR



Deixa-me morrer de amor

De todas as coisas do mundo
A que mais me desordena
Não é ter o olhar profundo
Não é ter a alma pequena.

Nem os recados enviados
De gentes que não têm lisura
Nem os adjectivos velados
De mentes sem compostura.

É algo que vem de dentro
Do corpo, da alma, da consciência
Fazendo desse ponto o epicentro
Da razão de toda a existência.

E antes que a vida me condene
E que a morte me leve em dor
Deixa que o mundo me desordene
Deixa que eu possa morrer de amor.


ana paula lavado ©  

quarta-feira, 6 de maio de 2015

POEMA-ME AS LETRAS




Poema-me as letras

As palavras já não existem,
meu amor.
Tivemo-las à tardinha
quando o encontro
era o princípio e o fim
de todas as coisas.
Agora,
é o silêncio que demora
a espera da morte
para que o dia e a noite
não se tornem iguais.

Poema-me as letras
meu amor,
poema-me as letras
e os fios de cabelo
que ficaram desalinhados.

No outro dia,
no dia em que a chuva
não parou de cair,
demorei-me no poente,
como se fosse aquele
em que o beijo
calava todas as palavras
e todas as palavras
se calavam no beijo.
Mas as palavras
estavam gastas,
meu amor.
Gastas como as letras
e como os fios de cabelo
que ficaram desalinhados.

Talvez outro dia,
à tardinha,
sem o princípio
e o fim de todas as coisas,
não sejam precisas mais palavras
nem mais poentes.

Poema-me as letras,
meu amor,
poema-me as letras
e os fios de cabelo
que ficaram desalinhados.

ana paula lavado © 


sexta-feira, 24 de abril de 2015

ÀS VEZES



Às vezes

Às vezes…

Às vezes, as portas fecham-se com áspera rudeza
e só o granito das ruas se move por companheiro.

Às vezes…

Às vezes, os sons perdem-se nas encruzilhadas
e o sentido das coisas é tão inverso
que deixa de haver sentido na verdade.
No tempo dos ausentes, o pensamento interrompe-se.
Adultera-se a mente com frases de circunstância
e faz-se da realidade um filho de um deus menor.

Às vezes…

Às vezes, os gestos metamorfoseiam-se
em outros gestos
absortos em interjeições imaginárias
e palavras caiadas por metáforas.
Não digam que há vida para além da noite
porque a madrugada só existe na invenção da mente.

Às vezes…

Às vezes, a transformação da verdade
é a única ponte existente entre o bem e o mal
e a razão para o mistério das coisas.

Às vezes…

Às vezes…

ana paula lavado © 


domingo, 19 de abril de 2015

A PORTA


A porta

Abro a porta
e nada vejo.

Nem a luz dum candeeiro
nem a sombra da neblina.

A porta é um vão
criado em contra-mão
desajustado da rotina.

Uma parede vazia
um retrato por pendurar
uma cama despida
uma nudez por amar.

Um silêncio amortecido
um ventre desalinhado
um verso destruído
um poema amordaçado.


ana paula lavado © 

Fotografia do google 

domingo, 5 de abril de 2015

FAZ DA MORTE UMA EXISTÊNCIA IMPEDIDA



Faz da morte uma existência impedida

Deixa que os olhos te digam a verdade
e não ocultes com trejeitos, o que o mundo roubou.
Não desvies as palavras em sentidos inversos
como se a vida apagasse toda a eternidade.
A eternidade levar-te-á os teus cansaços
porque a morte só acontece na multidão dos tempos.

Ah! Deixa os desalentos
e caminha como se o abismo não vivesse.
A vida é um rio que corre sem fronteiras
é um astro que vibra de todas as maneiras
é um chão que se apega e te torna imortal.

Vem! Estende os braços ao mundo e grita
faz do transtorno uma frase interdita
e sobe ao cume mais alto de todas as serranias.
É no teu íntimo que terás a imensidão dos dias
é na tua fome de verdade que alcançarás o infinito.

A vida é um gesto que se faz num só grito
numa só vontade, numa só firmeza, numa só paixão.
Vem! Estende os braços e agarra o mundo na tua mão
contorna o destino, agarra a vastidão da vida
e faz da morte uma existência impedida!

ana paula lavado © 


domingo, 15 de março de 2015

NÃO HÁ MORTE SEM RESSURREIÇÃO



Não há morte sem ressurreição

Tantas horas o tempo leva
à volta da cidade indiferente.
E os passos e a gente
os fantasmas arrependidos
as palavras sem abrigos
os gestos degolados de comunhão!

Vire-se o mundo à exaustão
denunciem-se os descrentes
os falsos deuses ausentes
os corpos profanados sem glória.
Não há vida sem estória
não há morte sem ressurreição.

E quando um grito diz não
erguendo ventres de profecia
a luz da cidade silencia
a voz estóica do entendimento.
Olhai! Vê-de o sofrimento
dos que, mudos, gravitam nas ruas
de olhar esmagado, de lágrimas cruas
de saudades impossíveis de omitir.

Tantas horas o tempo pode parir
nos úteros prenhes de inglória.
Não há vida sem estória
não há morte sem ressurreição! 


ana paula lavado ©  

sexta-feira, 13 de março de 2015

AGARRO O TEMPO



Agarro o tempo

Agarro o tempo e penetro-o na pele
como lança em brasa por um fogo feiticeiro.
Hoje é o primeiro
o segundo, o nono
o infinito dos dias que transformo
e conjugo na palma das mãos.

Como um verso oblíquo e sem nexo
um ângulo agudo ou convexo
uma folha de papel por escrever.
Hoje é o primeiro
o segundo, o terceiro
o infinito dos dias, o feiticeiro
que a morte não consegue perverter!

ana paula lavado © 


sábado, 21 de fevereiro de 2015

E SE UM DIA



E se um dia

E se um dia vierem
as folhas gastas de invernia
trajadas de outra madrugada
vestidas de outra fantasia,

e se um dia voltarem
os olhos presos na solidão
cobertos de fogo de lava
incendiados de outra paixão,

e se um dia chegarem
as mágoas doridas do peito
veladas na transição do tempo
ocultas por outro trejeito,

e se um dia apagarem
os dias que o tempo matou
a vida voltará Primavera
e o tempo de invernia acabou!

ana paula lavado © 


domingo, 8 de fevereiro de 2015

ANTES DO MUNDO



Antes do mundo

Antes do mundo, era o mar
as falésias despenhadas de preconceito
os limos desalinhados de pretensão
as águas vazadas fora do leito.

Antes do mundo, era o céu
os penhascos desmanchados em neblina
as mãos desnudas de trejeito
os ritmos alegóricos em surdina.

Antes do mundo, era o ventre
a placenta reservada sem pejo
os sibilos da noite sem constelação
os silêncios da morte por desejo.

Antes do mundo, eras tu
a escolha imperturbável da vida.

Depois do mundo, sou eu
alma crua, insulada, despida!

ana paula lavado © 


quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

LINHA DO HORIZONTE



Linha do horizonte

Vou partir antes do tempo de ser poeta.
A sombra das pálpebras escondida entre a mágoa e a dor
já não resiste ao contorno de qualquer verso.
Fora deusa, condensada entre fios de neblina
que perpassam um qualquer passo na rua.
Das linhas que produzem as searas trouxe o ouro
e das rugas esmagadas pelo negrume
o testemunho que a vida concede aos crentes.

Não! Não quero ventres escondidos de prazer
nem gestos degolados das partituras musicais.
Não me tragam palavras ocas, prenhas de oceanos
nem pátrias onde se falam todas as línguas.
Quero um farol erguido no alto de um promontório
quero um grito esventrado nesta alma inquietada
quero a fome das letras que me ocupa a memória
quero o timbre desalinhado dum prólogo por escrever.

Do resto do mundo, quero a quietude
os dedos ásperos da verdade e da consciência
quero a exactidão
quero a reminiscência
quero a vida na proporção exacta de todas as coisas.
E na sombra das pálpebras quero o horizonte
o contorno da resistência de um qualquer verso
para lá da linha que um qualquer poeta possa escrever.

ana paula lavado © 

sábado, 3 de janeiro de 2015

CONVOQUEM A GUERRA



Convoquem a guerra

Convoquem a guerra
iniciem a batalha
que a minha raiva
ainda agora começou.
Não foram os ventos que trouxeram tempestade.
Foi o sangue que ferveu
foi a lava que derreteu
foi o fogo que devastou fora do leito.
Hoje começa a era ressuscitada
escalavrada de boas maneiras
fora do contexto prosaico da cortesia.

- há quem diga que isto não é poesia -

Chamem-lhe outro nome qualquer.
Uma coisa
um objecto
um abjecto
um palavrão.

- há quem diga que isto é libertação -

Um dia tive uma Kalashnikov encostada ao peito
bem apontada ao lado esquerdo
e não falei.
Também não morri
também não matei
também não me mataram
também não mandaram matar
- me -.

- há quem diga que só se morre uma vez -

A guerra começou!
Tragam as canetas
as ferramentas
as tintas
os pincéis,
os palavrões carregados de decibéis
as frases anacrónicas da Literatura.

Eu levo as palavras escabrosas,
- que as outras não têm compostura -
as metáforas sem lisura
as interjeições que não vêm na gramática.

- há quem diga que mexo nas letras com prática -

E vamos à guerra
e vamos à batalha
e vamos à luta
que a verdade há-de vencer!


ana paula lavado ©