quinta-feira, 30 de abril de 2009

A DOR

A dor é um cárcere permanente
uma clausura embriagada e demente
um destino trasladado em reclusão.

É um cântico adoçado com veneno
um ritual sorumbático e obsceno
uma esperança morta na incubação!

É uma luta de raiva e de tormento
um fustigar de medo e de lamento
uma dor que se acrescenta a outra dor.

É a alma delida num fogo prolongado
é a denúncia de um viver inanimado
é a morte anunciada ao pormenor!


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segunda-feira, 27 de abril de 2009

DESCONCERTO


Nada me desconcerta mais
que a falta de carácter.
Desdenhosos personagens
que me invadem o sossego
e desatinam qualquer complacência.
Ainda não descobri se é normal esta atitude
ou serei eu,
que depois de tanta ausência
desconheço as leis fundamentais.
Mas não deixo de ficar perturbada
e nem com toda a lógica em aumento
entenderei estas atitudes
que de serem tão anormais
não têm qualquer fundamento.
Não concebo o uso de qualquer alguém
só porque no momento é proveitoso.
E por mais que atropele
o meu humilde convencimento
certeza tenho que não há ninguém
que possa ser nobre com tal procedimento.
Mas de um lado ou outro sempre encontro
aqui ou além um certo desconcerto.
Ou será o mundo que anda todo desconcertado
ou serei eu que não lhe vejo qualquer acerto!


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domingo, 26 de abril de 2009

AMAR-TE


Ali, onde o Sol se poenta
naquele rubro quente
que entontece,
estendo-me
como quem adormece
com teu corpo
imerso em mim.

Amar-te
é assim esse lume
que atordoa
e enlouquece,
é esse mar
que se agita
e estremece,
essa maré
que ninguém pode vazar!

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sábado, 25 de abril de 2009


Triste sina esta de ser poeta

de frases opressas em versos

de nascentes submersos

de horas enlameadas de solidão.


Parte-se só e chega-se só.


Só... e mais nada!


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sexta-feira, 24 de abril de 2009

MANIFESTO ANTI-HIPOCRISIA


Ah! Que se diga e volte a dizer
e que fique registado tudo aquilo que vai ser dito!

Morra, morra a hipocrisia!

Os falsos moralistas, os falsos pudores e
a falsa moralidade.

E morra, morra a hipocrisia!

E as mentes recuadas que ruborescem quando se fala de sexo.

E morra, morra a hipocrisia, porque essa não tem nexo!

Usarei o substantivo certo e o verbo apropriado,
mesmo que o achem ofensivo,
o tomem por controverso,
ou digam mesmo que é pecado!

Nem com um abaixo-assinado com as quinze mil assinaturas
que manda a legislação,
abdicarei do meu palavreado
e de usar os nomes certos, na matéria que está em questão.

E se me chamarem de louca, ficarei grata.
Pois que eu use essa loucura em meu próprio benefício!
E o que tiver que dizer, que o diga,
mesmo que não achem graça,
e que o diga com as letras todas e sem qualquer artifício!

E morra, morra a hipocrisia,
porque nem o tabaco é tão mau vício!

E morra, morra … morra!... Pim!

E mais não digo, nem a Dantas digo assim,
porque Almada dava cabo de mim!


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quinta-feira, 23 de abril de 2009

VESTI-ME DE TI ( Um Beijo ao Poema )

(Poema ilustrado com aguarela de Henrique do Vale)


Como eu gostava de me morrer
na linha infinda de um poema.

De alma nua entrego
no deslizar dos dedos
a fragrância do meu perfume
colhido ao acaso.

E num indisfarçável desejo
concebo-te sem hora marcada.

Fui tua nesta jornada
de impensável sedução.
Nesta escandalosa ânsia
de sentir minha nudez
e vesti-la de ti.

E neste prazer insaciável
de me morrer por te ter,

morro-me
na linha infinda de um poema!


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quarta-feira, 22 de abril de 2009

ESSE TEU JEITO



Se as palavras pudessem dizer
Na breve linha de um poema
Numa metáfora ou num esquema
Ou noutra conjugação qualquer,
O que emerge dentro do peito
Quando tu amas nesse teu jeito
Este corpo que me foi dado Mulher.

Se as usasse, qual incasta musa
Numa sedução de completo despudor,
Despiria Camões de todo seu jeito
Tornaria Bocage rubro de pudor.

Não me atrevo a tal, seria louca
Mesmo no meu jeito louco de amar.
Mas quando me tomas em teu leito
Nesse jeito com que despes meu pudor
Não há pejo nas palavras, nem sequer
Há palavras que brotem de meu peito
Quando tu amas nesse teu jeito
Este corpo que me foi dado Mulher!

apl in "47 Poemas de Amor" ©

terça-feira, 21 de abril de 2009

PALAVRAS


Gostava de poder falar das palavras, com a mesma facilidade com que as invento, recrio ou emudeço, nas linhas que não me atrevo a escrever.

Ter a coragem de as manipular, será talvez a aspiração máxima de quem as utiliza. Ser manipulado por elas, é deixar que elas penetrem no nosso Eu mais profundo, e nos utilizem como suporte da sua vontade.

Saberei eu manipulá-las, ou serei eu a manipulada, quando me deixo absorver pelo jogo de indescritível fantasia de que elas são capazes?

Talvez nunca o venha a descobrir. Talvez nos manipulemos mutuamente, sem que haja necessidade de encontrar o dominante e o dominador. Ou talvez, as palavras que extravasem o concreto, não passem de uma invenção feita apenas para que a imaginação possa continuar a sua fantasia.

O certo é que não vivemos sem palavras. Nós, considerados possuidores de inteligência, cálculo e raciocínio, estamos de tal forma limitados nas nossas expressões, que a mensagem seria, na maioria das vezes, de incompleta percepção.

Usamos e abusamos das palavras a nosso belo prazer, tanto em declarações idílicas de completa paixão, como fazendo delas armas de arremesso de uma mortalidade feroz. São usadas como verdade ou como mentira com o mesmo despudor ou a mesma desfaçatez.

Não saberia viver sem palavras. Mesmo no meu mundo silencioso, trabalho-as à medida do sonho. Deixo-me vaguear no seu mundo, e transformo-as em objectos de prazer, como se o prazer das coisas delas dependesse. Mesmo quando as iludo em metáforas, entrelinhadas de um sentido que, muitas vezes, nem eu própria entendo!


apl in "Crónicas sem nexo"

quinta-feira, 16 de abril de 2009

A VERDADE

Dito assim até tem graça
Porque as coisas inconcebíveis
Têm sempre a particularidade
De serem tomadas como não verdade.

E se não me tocasse a peito
Rir um pouco daria jeito
E desanuviava esta ansiedade.

Mas mesmo misturando o pensamento
Os livros e os mestres da sabedoria
Fico sempre nesta agonia
De duvidar do meu discernimento.

Será que é pouco
Será que anda lento,
Ou será falta de capacidade
De pensar que não é verdade
O que na verdade não tem cabimento?

Não quero ter a veleidade
De questionar qualquer questão.
Mas por muito que muitos cuidem
Que a verdade tem sempre fundamento,
Antes duvidar de meu discernimento
Que aceitar a verdade sem razão.

apl in "Mentes Perversas" ©

segunda-feira, 13 de abril de 2009

QUANDO O SOL ACORDAR




Quando os búzios acordarem
Nessa praia junto ao mar
Talvez o sol não se levante
Com medo de os despertar.

Porque entre cada grão de areia
Que a maré vaza não molhou
Ficaram escondidos segredos
Que a maré preia acautelou.

E se o sol fulgisse cedo
Mais cedo que o próprio alvor
Até os búzios saberiam
Que nos amamos sem pudor.

apl in "47 Poemas de Amor" ©

sábado, 4 de abril de 2009

A MINHA CARTA DE AMOR


Nesse chão selvagem

Nesse chão que me nasceu selvagem
Onde a erva cheira a capim
Onde o verde tem outra margem
Onde te senti dentro de mim…

Nesse útero de terra ardente
Onde o sol se transfigura
Onde o mar acorda quente
Onde me senti que fui tua…

Nesse calor que me queimaste
Nessa pele que me ocupou
Nesse beijo com que desnudaste
O beijo que me desnudou…

Nesse leito onde ansiaste
Por cada pedaço de mim
Amei-te, tanto quanto amaste
Que nos amassemos assim!

apl in "47 Poemas de Amor" ©