quarta-feira, 18 de dezembro de 2019
segunda-feira, 18 de novembro de 2019
já nada sobra desta folha de papel
já
nada sobra desta folha de papel
já
nada sobra desta folha de papel
indiferente
aos retratos dispersos pelas estantes da casa.
o
corpo move-se longe das palavras
e
escorre-me na pele o suor das noites desertas
e
dos sonhos vazios que subitamente ardem em fogo lento.
ao
acaso escolho um lugar vazio igual ao das outras noites
e
tento adormecer entre as cassiopeias
e
o ar marítimo das grandes travessias
que
me deixa agonia na boca.
o
silêncio desenha-se nas paredes brancas
e
as raízes do orvalho descem pelas janelas
trazendo
estrelas secretas que ocultam as marés.
já
nada me prende a este barco
nem
a estes espaços enevoados
nem
às águas turvas que pernoitam no fundo do rio.
já
nada sobra desta folha de papel
indiferente
aos retratos dispersos pela casa.
ana
paula lavado ©
domingo, 17 de novembro de 2019
Desço sobre a noite quando os pássaros dormem
Desço
sobre a noite quando os pássaros dormem
e
surpreendo-me com o ar triste que vem das janelas
abandonadas
às memórias da morte.
Escorre-me
na pele o suor dos lençóis que se masturbaram
desocupados
de gente e de calor
e
o corpo incendeia-se com a boca a saber ao amargo
das
noites lentas.
As
ruas estão vazias.
As
águas que me pertencem já não são deste rio
e
os peixes têm a morte lenta da solidão.
ana
paula lavado ©
Hei-de emergir dos muros escuros da cidade
Hei-de
emergir dos muros escuros da cidade
Hei-de
emergir dos muros escuros da cidade
ou
das terras profundas onde o cheiro a morte me sufoca.
Sentada
numa praceta onde moraram as aves
revejo
corpos embriagados a dançarem na lama suja do chão.
Um
candeeiro de lâmpada partida esconde os rostos
desfigurados
de álcool, pastilhas e coca
e
o rasto a sexo barato vendido nas esquinas mais escuras.
Rebenta-me
uma veia no peito e o sangue espalha-se
e
transforma-se em veneno que se alastra pelo corpo
e
me inunda, e me carrega a morte lenta da desilusão.
ana
paula lavado ©
A vida e a morte
A
vida e a morte
(À memória de Jorge d’Além Mar)
Vejo-te
aqui e agora
em
todos os lugares possíveis
consciente
e visível.
A
realidade não me trairá
enquanto
não duvidar dos teus poemas
e
eu puder fazer de conta que estou contigo.
Nunca
duvides do que penso
que
do pensamento farei cidades impossíveis
iluminadas
por estrelas imortais.
Provavelmente
alguma alma nos acompanhará
e
deixará de haver fronteiras
invisíveis
aos nossos olhos e ao nosso pensamento.
Afinal,
vida e a morte não passam de uma orgia
lutando
por vitória.
ana
paula lavado ©
A noite
A
noite
a
noite é imensa e cheira a sexo e a morte
os
ângulos escuros dos dedos
rasgam
as palavras abandonadas à sorte
e
à melancolia incansável da solidão.
estou
só nesta infinda ausência de pejo
e
amanheço dolorosamente na neblina sulfurosa
inventando
rostos desfocados
que
não memorizei por engano.
recolho
os olhos húmidos da noite
e
fujo ao odor a cio e a drogas espalhado pelas ruas
e
aos corpos abandonados à sorte.
Lugares
Lugares
apercebo-me
naquela noite
que
não há lugares comuns
sem
que os ângulos escuros da cidade
não
escondam o olhar perverso
dos
embriagados da malvadez.
e
amanheço dolentemente
imóvel
nos dedos
e
com as artérias entupidas.
visto-me
à pressa
com
a boca a saber ao vómito da noite anterior
e
despejo a raiva na neblina sulfurosa da manhã.
Embriago-me
num café
antes
que a saliva me queime as entranhas
e
volto à minha obscura solidão
carregando
as minhas tristezas e mistérios
longe
da perversidade alheia.
ana paula lavado ©
terça-feira, 30 de julho de 2019
Vivo neste país por engano
Vivo neste país por engano
Vivo neste país por engano.
Deito o meu corpo exausto sobre lâminas aguçadas
esperando que o tempo o amadureça lentamente.
Embriago-me, para que o esquecimento
me dê a sonolência dos corpos sem destino
e as veias não me provoquem a morte.
A noite é imensa e escreve epitáfios nos vidros escuros
tentando roubar-me a solidão.
Os traços de tinta onde ainda escrevo
nestas noites lentíssimas de silêncio
espalham-se no nevoeiro da manhã
em altíssimas paredes brancas
que me murmuram o protagonista dos sonhos
que não ouso ter.
Ao longe, ouço o lamento do mar
atormentado pelas luzes da cidade
e pelas cinzas da combustão dos corpos.
Já não vou deixar gravada, esta voz esparsa
na secreta noite dos oceanos.
ana paula lavado ©
sábado, 9 de fevereiro de 2019
Uma palavra
Uma palavra
Penso
na quantidade de coisas que me ocupam o pensamento,
que
deviam ser de uma transparência quase vitral,
e
não passam de bocados de alma amachucada.
Quando
ontem falei contigo,
e
a conversa imergiu em horas desmedidas,
sonhei
com as águas profundas do oceano
e com os
amores que deixei ao longo do mar.
É
inesgotável, a sede deste copo vazio
que
bebo à luz infecunda da madrugada.
Queria
que fosses uma estrofe
para
encher com as palavras que me enchem a alma.
Um
verso. Só um verso já seria o suficiente.
Ou
uma palavra.
ana
paula lavado ©
As ruas da cidade
As ruas da cidade
As
ruas da cidade são inundadas de luzes indiscretas
e vozes esparsas que falam com as cassiopeias.
A noite é imensa e as luzes têm a solidão dos velhos.
Os passos são cadenciados ao ritmo de um poema
escrito por amor, que acabou por não ter nenhum destino.
Um bêbado encosta-se ao candeeiro da esquina
e um carro pára perto da prostituta que mastiga chiclete
e puxa a meia calça já rota de tantas noites.
Uma e outra janela mostram a insónia de quem já não dorme
e um faminto revolve os sacos deixados com sobras de nada.
Já não há corpos diáfanos nem primaveras férteis.
e vozes esparsas que falam com as cassiopeias.
A noite é imensa e as luzes têm a solidão dos velhos.
Os passos são cadenciados ao ritmo de um poema
escrito por amor, que acabou por não ter nenhum destino.
Um bêbado encosta-se ao candeeiro da esquina
e um carro pára perto da prostituta que mastiga chiclete
e puxa a meia calça já rota de tantas noites.
Uma e outra janela mostram a insónia de quem já não dorme
e um faminto revolve os sacos deixados com sobras de nada.
Já não há corpos diáfanos nem primaveras férteis.
ana
paula lavado ©
Vazio
Vazio
percorro
as ruas penumbrosas da cidade
e
deixo-me entranhar pelo vazio
que
invade a noite
os
objectos, dissimulados pelo silêncio,
são
como pássaros hibernados
ou
velhos arrastando o desgosto
a
madrugada desce sôfrega sobre o peito
regresso
aos versos e ao desassossego das memórias
às
metáforas pérfidas e à agonia do cansaço
e
enumero as palavras abandonadas à morte
ana
paula lavado ©
Não devo pensar
Não devo pensar
Penso
no dia em que deixei a
puberdade.
Poderia
ter sido bela, se tivesse sido, verdadeiramente,
puberdade.
Poderia
ter sido feliz, se não tivesse sido trocada
pelo
dever que só se deve ter depois da
puberdade.
Agora
os dias são longos. Desesperantes.
Não
devo pensar.
Pensar
é tão perigoso como morrer.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2019
Tento não fugir à racionalidade das coisas
Tento não fugir à
racionalidade das coisas
Tento
não fugir à racionalidade das coisas
colocando
os objectos, milimetricamente ordenados,
no
local certo.
O
corpo arde, inflamado por esta compostura,
que
se torna agoniante.
O
lugar dos objectos não tem racionalidade.
O
lugar dos objectos tem a mestria do Universo
e
a incompreensão do nosso pensamento.
Coloco
uma cadeira no meio do jardim
esperando
que nasçam flores em seu redor.
Sento-me,
pego num livro e folheio as páginas amarelecidas
em
busca de algum entendimento.
Nem
nasceram flores em volta da cadeira
nem
entendo a racionalidade das coisas.
ana
paula lavado ©
segunda-feira, 7 de janeiro de 2019
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