Hoje deixei que a janela do meu quarto permanecesse quieta.
O silêncio das coisas termina para além daqueles vidros
onde a transparência se esconde atrás dum reposteiro.
Se a abrisse, talvez a calçada me lançasse em queixume
as maledicências que escutou às sete da manhã.
Não. Não vou ouvir. Não interessa ouvir falar
das coscuvilhices de que foi testemunha.
Vou permanece-la fechada por detrás da cortina
abafada no silêncio dum vidro que se tornou opaco.
Seria mais fácil ir apanhar ar. Deixar que as coisas
que não são naturais se tornassem naturais
e que a janela fechada se pudesse abrir
mesmo que fosse para escutar os queixumes da calçada.
E eu choraria com ela, porque essas coisas naturais
não passam de coisas que não são naturais,
mas existem como naturais, porque as pessoas as sentem naturais.
O sol é natural. A chuva é natural. Até a nortada
que me arrasta e desnorteia o pensamento, é natural.
O mar azul é natural, o mar cinzento é natural.
Até o mar verde que às sete da manhã se emerge
nos tons inigualáveis do nascente, é natural.
A vida deveria ser feita apenas de coisas naturais.
Seria mais fácil às sete da manhã abrir a janela
e cheirar o odor do canto dos pássaros, aspirar o prazer
com que o sol rompe cada pedaço da noite e a transforma.
É o ciclo natural da vida, tal como nascer e morrer.
Deveria ser natural abrir a janela às sete da manhã e deixar
que o silêncio do amanhecer inundasse o dia.
Mas às sete da manhã, ouço os queixumes da calçada.
E o mundo avança repleto de coisas que não são naturais
mas que aparecem como naturais, porque se querem com tal.
Mesmo os queixumes das pedras da calçada, que às sete da manhã
se reprimem para não contar as maledicências
que foram deixadas caídas nos seus pedaços!
apl in “Mentes Perversas” ©
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