domingo, 10 de junho de 2018

Ninguém




Ninguém

Estavas lá, à minha espera,
sentado num banco de jardim
igual aos que havia antigamente.
Folheavas um jornal,
daqueles que trazem as notícias de ontem,
com fotografias de gente importante,
de assassinos e burlões.
A tua atenção era discreta
e o teu olhar vagaroso.
Imaginei-te poeta,
pela serenidade dos gestos,
ou filósofo, pela maneira como observavas o jardim.
Sentei-me ao longe,
num outro banco, semelhante ao que havias escolhido,
para te ler os jeitos e as paixões.
Os pássaros voavam em teu redor, sem medo,
e as folhas das árvores dançavam delicadamente
como se lhes tocasses uma sinfonia.
Podias ser músico,
pela delicadeza das mãos,
ou pintor, pela maneira como acariciavas o papel.
Folheavas o jornal tão vagarosamente
como quem tem a vida por eternidade.
Caminhei pelos passeios de terra já gasta,
cansados dos passos de gentes anónimas,
que amam os pássaros, as árvores e as flores,
e que os percorrem
à procura daqueles bancos de jardim iguais aos de antigamente.
Caminhei pelos passeios de terra já gasta
até ao teu banco de jardim e,
olhando-te nos olhos, perguntei “Quem és?”.
Sorriste, acariciaste-me a face e,
sem que o mistério abandonasse o teu olhar,
disseste “Sou ninguém!”

 ana paula lavado ©   


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