terça-feira, 24 de março de 2009

CRÓNICAS DE ALÉM-MAR - 1

Há inúmeras formas de descrever sentimentos. Mas independentemente daquela que for usada, todas transmitem as sensações experimentadas em determinado momento.
Talvez não as conhecesse todas, mas daquelas que eram familiares aos seus dedos, não encontrava nenhuma capaz de transmitir as emoções sentidas naquele momento.

Seis horas e quarenta e sete minutos. O air bus pousava o trem de aterragem em solo angolano, no momento em que o ritmo cardíaco do seu motor central experimentava a sua rotação máxima. A inquietação de sentir o sol quente banhar o seu corpo chegara ao seu limite. O tempo parecia alongar-se em minutos infindos, como que testando a sua ansiedade no seu ponto mais extremo.

Trinta e três anos depois…voltava ao chão que a viu nascer. A terra vermelha deslizou em seus dedos e arrepiou-lhe a pele, numa sensação e ela imaginara esquecida. Aquela terra, aquele chão e aquele mar, para onde se encaminhou, e por quem fantasiou mil e uma histórias de encantar. Os tons e os odores que só África abriga no seu íntimo.
África. A única paixão que não é efémera, e que se prolonga para além do tempo.

Poderia até ser o início de um romance. Bastaria juntar os condimentos necessários, para encher páginas de letras rebuscadas e palavras estudadas ao pormenor.

Mas talvez a melhor forma fosse pintar uma tela. O artista é exímio em extravasar todo o êxtase que brota da alma, explorando ao milímetro todos os pormenores que se escondem aos olhares comuns.
As cores são fustigadas pelo sentimento, exacerbando os azuis e os dourados que uma qualquer paisagem possa pretender denunciar.
Seria a tela perfeita. Daquelas que todos gostam de pendurar numa qualquer parede que se encontra desnudada por falta de simetria, e em que se pretende encher mais o olhar que propriamente a alma.
Mas não deixaria de ser a tela perfeita. Coberta de mar e sol intenso, barquinhos a navegar no horizonte, e umas ondas que orgasticamente se morrem na areia.
Quantas telas haverão, espalhadas com esses odores?
Mil, dez mil, cem mil?
Olhar todas essas telas, poderia causar sempre o mesmo efeito de satisfação. As cores permanecem idênticas, o enquadramento de harmonia semelhante, os odores reclamando a mesma intensidade. Se uma se apodera mais da cor, outra enobrece a transparência. Se uma outra ainda revela serenidade, uma qualquer outra impor-se-á pela robustez.

A ele … ao mar!
Cantado e aguarelado, mais do que a infinidade do tempo pode comportar. Palco de epopeias, de musas e inspirações que têm arrebatado tanto os que o cantam, como os que se sentem cantados por ele. Símbolo de imensidão e infinito, de mistérios e enigmas, de amores e desamores que nele se afundaram ou imergiram na paixão.

O palco era perfeito, o enquadramento estudado ao pormenor. A luz acontecia no momento certo, para que a sombra não tivesse o despudor de esconder a liquidez que se apoderava do seu olhar.


apl in Crónicas de Além-Mar ©

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