quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

LINHA DO HORIZONTE



Linha do horizonte

Vou partir antes do tempo de ser poeta.
A sombra das pálpebras escondida entre a mágoa e a dor
já não resiste ao contorno de qualquer verso.
Fora deusa, condensada entre fios de neblina
que perpassam um qualquer passo na rua.
Das linhas que produzem as searas trouxe o ouro
e das rugas esmagadas pelo negrume
o testemunho que a vida concede aos crentes.

Não! Não quero ventres escondidos de prazer
nem gestos degolados das partituras musicais.
Não me tragam palavras ocas, prenhas de oceanos
nem pátrias onde se falam todas as línguas.
Quero um farol erguido no alto de um promontório
quero um grito esventrado nesta alma inquietada
quero a fome das letras que me ocupa a memória
quero o timbre desalinhado dum prólogo por escrever.

Do resto do mundo, quero a quietude
os dedos ásperos da verdade e da consciência
quero a exactidão
quero a reminiscência
quero a vida na proporção exacta de todas as coisas.
E na sombra das pálpebras quero o horizonte
o contorno da resistência de um qualquer verso
para lá da linha que um qualquer poeta possa escrever.

ana paula lavado © 

sábado, 3 de janeiro de 2015

CONVOQUEM A GUERRA



Convoquem a guerra

Convoquem a guerra
iniciem a batalha
que a minha raiva
ainda agora começou.
Não foram os ventos que trouxeram tempestade.
Foi o sangue que ferveu
foi a lava que derreteu
foi o fogo que devastou fora do leito.
Hoje começa a era ressuscitada
escalavrada de boas maneiras
fora do contexto prosaico da cortesia.

- há quem diga que isto não é poesia -

Chamem-lhe outro nome qualquer.
Uma coisa
um objecto
um abjecto
um palavrão.

- há quem diga que isto é libertação -

Um dia tive uma Kalashnikov encostada ao peito
bem apontada ao lado esquerdo
e não falei.
Também não morri
também não matei
também não me mataram
também não mandaram matar
- me -.

- há quem diga que só se morre uma vez -

A guerra começou!
Tragam as canetas
as ferramentas
as tintas
os pincéis,
os palavrões carregados de decibéis
as frases anacrónicas da Literatura.

Eu levo as palavras escabrosas,
- que as outras não têm compostura -
as metáforas sem lisura
as interjeições que não vêm na gramática.

- há quem diga que mexo nas letras com prática -

E vamos à guerra
e vamos à batalha
e vamos à luta
que a verdade há-de vencer!


ana paula lavado ©