quarta-feira, 14 de agosto de 2013

QUANDO AS ÁRVORES CRESCEREM III



Quando as árvores crescerem III

No tempo das amendoeiras, os ramos
finalizam em flor, orgasticamente róseas de segredo.
Inunda-se o enigma das paixões, impendente em cada floração.
No tempo das amendoeiras alongo-me nos braços, para que
floresçam à semelhança do teu corpo. Róseo de ramos férteis
e iluminuras entre os dedos, percorres as linhas onde
te concebo, sem que o tempo desnude a fantasia.
As terras de xisto floram todas as luas, e quando
as árvores crescerem, as marés dos olhos florarão
sem que finde o tempo das amendoeiras.

ana paula lavado © 


terça-feira, 13 de agosto de 2013

QUANDO AS ÁRVORES CRESCEREM II



Quando as árvores crescerem II

Ontem o mar voltou a bramir. Brados murmúrios
que o vento prolongou sem que a memória
alterasse a sonância. Nunca vacila no ritmo
nem na espera dos homens, que eles voltam sempre
à hora que a faina ordena. Trazem sereias nos olhos e
redes enoveladas em espera, apertando os anseios
que os olhos ocultam.
Quando as árvores crescerem, moverão o xisto das raízes,
e elas prolongar-se-ão até ao mar. Esse mar onde vives
e me anima a existência, sem que o brilho das marés
revele a maré preia.
Quando voltar a bramir, o mar, voltarei sereia
ocultada nos teus olhos!

ana paula lavado © 


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

QUANDO AS ÁRVORES CRESCEREM



Quando as árvores crescerem

Não olhes para mim, que eu vagueio pelas ruas
desde que germinei. Os tempos modernos apenas
alteram as plantas, silenciando a cadência
das palavras. Explicar-te-ia as minhas escolhas
mas as pedras da rua continuam fascinantemente
iguais às de outrora. Duras e retorcidas em feldspato de rocha
metamórfica.
Quando as árvores crescerem, colherei as pétalas dos seus
frutos, e delas construirei os mais belos caprichos. Saberás
conhecê-los pelo meu perfume. Esse, que também
se mantém inalterável, não porque o tempo nada mais
tenha concebido, mas porque o  pretendo inalterado.
Lembro o dia que te conheci. Lembro tão repetidamente, que 
apenas não me sufoca, porque o faço com deliberação. 
Choquei-te de frente, na porta de uma estação com um nome
sem importância. Importou a vergonha dos olhos
que esconderam o rubor.
E se me olhares, relembro o rubor. Ama-me apenas
pelo perfume dos meus olhos!

ana paula lavado © 


 Fotografia - Francisco Navarro

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

SE OS TEMESSE



Se os temesse

Se os temesse, Meu Deus,
como temo a precocidade do fim,
nos horrores com que projectam maldição,
fugiria ao Mundo, ao Universo
como desígnio de condição.

Sejamos breves, que as constelações não demoram
mais que breves instantes da imaginação.
Se os temesse, Meu Deus,
como presságios de inoculação,
ocultaria os meus vícios de verdade
expurgaria os meus defeitos de imposição.

Se os temesse, Meu Deus.
Ah! Não os temo
nem lhes cobiço a imposição.
Que a sombra lhes engane a sorte
que a exactidão seja mais forte
que a sua vontade de imprecação.


ana paula lavado © 

Fotografia de Francisco Navarro