domingo, 14 de junho de 2009

ÀS SETE DA MANHÃ


Hoje deixei que a janela do meu quarto permanecesse quieta.

O silêncio das coisas termina para além daqueles vidros

onde a transparência se esconde atrás dum reposteiro.

Se a abrisse, talvez a calçada me lançasse em queixume

as maledicências que escutou às sete da manhã.

Não. Não vou ouvir. Não interessa ouvir falar

das coscuvilhices de que foi testemunha.

Vou permanece-la fechada por detrás da cortina

abafada no silêncio dum vidro que se tornou opaco.

Seria mais fácil ir apanhar ar. Deixar que as coisas

que não são naturais se tornassem naturais

e que a janela fechada se pudesse abrir

mesmo que fosse para escutar os queixumes da calçada.

E eu choraria com ela, porque essas coisas naturais

não passam de coisas que não são naturais,

mas existem como naturais, porque as pessoas as sentem naturais.


O sol é natural. A chuva é natural. Até a nortada

que me arrasta e desnorteia o pensamento, é natural.

O mar azul é natural, o mar cinzento é natural.

Até o mar verde que às sete da manhã se emerge

nos tons inigualáveis do nascente, é natural.

A vida deveria ser feita apenas de coisas naturais.

Seria mais fácil às sete da manhã abrir a janela

e cheirar o odor do canto dos pássaros, aspirar o prazer

com que o sol rompe cada pedaço da noite e a transforma.

É o ciclo natural da vida, tal como nascer e morrer.

Deveria ser natural abrir a janela às sete da manhã e deixar

que o silêncio do amanhecer inundasse o dia.

Mas às sete da manhã, ouço os queixumes da calçada.


E o mundo avança repleto de coisas que não são naturais

mas que aparecem como naturais, porque se querem com tal.

Mesmo os queixumes das pedras da calçada, que às sete da manhã

se reprimem para não contar as maledicências

que foram deixadas caídas nos seus pedaços!


apl in “Mentes Perversas” ©

Sem comentários:

Enviar um comentário