quinta-feira, 21 de maio de 2009

BACK TO ÁFRICA




O ar quente que se nos abate logo que se pisa solo Angolano é sufocante. Sufocante e envolvente ao mesmo tempo. Mas quem ama África, sente-o como que balsâmico. Aquece-nos a alma, tornando-nos audazes, destemidos.
O despudor com que nos penetra na pele, faz-nos sentir como que parte de si. Não é em vão que muitas vezes digo que “Quem vai a África por um dia, ama África para toda a vida”.
África tem uma forma inesgotável de se amar. As cores têm outra cor, os cheiros outra intensidade, o chão, a marca indelével do sol africano: vermelho, intenso, quente e penetrante.

África!
A minha África é no pedaço ocidental a norte do deserto do Namib.
A minha África é aquele quadrado de terra vermelha que contempla o Atlântico, dando-lhe um sol para adormecer todos os dias.
A minha África é aquela que me viu nascer, aquela que me criou e me ensinou a amar sem limites ou restrições.
Deixá-la, foi como perder o primeiro amor. Sobrevive-se, mas jamais se esquece. E um dia reencontrado, despoletam-se todos os sentimentos religiosamente guardados, para que ninguém tivesse o despudor de os violentar.
África!
A única paixão que não é efémera, e que prolonga para além do tempo.

Senti-la, mais de três décadas depois, voltar a pisar o seu chão, a abraçar o seu cheiro, foi como recuperar um sonho perdido algures no tempo. Há sentires que não se reproduzem no papel. Incapazes de um adjectivo que os qualifique sem os desvirtuar, apenas se tornam descritíveis pelo olhar ou pelos gestos de quem os sente.


Luanda!
Luanda é apenas a visão da nossa memória consumida pelo tempo.
Não encontrei a Luanda que havia deixado. Não porque o tempo a tenha transformado, mas porque o tempo a destruiu. Os lugares passaram a ter uma cor soturna de anos de delapidação, desleixo e degradação, moldando-a numa paisagem dolorosa e quase dantesca. As chapas de zinco invadiram a cidade com o despudor e a arrogância da lei da sobrevivência. Retalhos consequentes de quase três décadas de guerra civil, onde o mais importante deixa de ser viver, para ser sobreviver.
Luanda é hoje fruto da invasão desmedida das populações do interior, em busca de um abrigo aparentemente mais seguro. A população multiplicou por dez, tornando a cidade completamente intransitável. Os musseques misturam-se e alongam-se desmesuradamente, fazendo do centro da cidade um círculo atrofiado e sufocante.

Durante o dia, Luanda é um verdadeiro caos. Uma amálgama de carros, onde a regra de transito que prevalece, é a regra do mais audaz.
A poeira existente no ar, mistura-se-nos na pele, conferindo-lhe um tom baço, que apenas o brilho do sol consegue disfarçar.
O tempo adquire uma outra dimensão. As horas deixam de ser horas, para se resumirem a ser apenas tempo. É impossível calcular o tempo, chegar a tempo, ou mesmo saber quanto tempo.
E chega a noite. A cidade adormece num silencio quase assustador. Mas Luanda adquire um brilho diferente. As ruas desertas recebem-nos com um tom mais familiar às memórias de outrora. A luz na noite dignifica-a, enobrecendo-a com o brilho do luar africano.
No intervalo destes dois contrastes, fica uma Luanda que parece querer nascer de novo. A reconstrução aparece-nos numa escala quase impossível de descrever. As construções novas multiplicam-se, numa arquitectura completamente deslumbrante. É uma outra Luanda a renascer, uma outra Luanda que nos irá apaixonar de novo.

Entre o que foi, o que é e o que será, está a Luanda que eu amo. A Luanda dos chinelos no chão quente, do sol com sabor a manga, da terra vermelha que nos aquece a alma.

Esta á a minha África. A África que tenho crivada na pele, a África pela qual eu dispo todo o Europeísmo que nunca me pertenceu.


apl in “África” ©

2 comentários:

  1. "quem amou áfrica toda a vida e vai a áfrica por um dia..."
    redimensiona a paixão e avontade de a possuir.

    ela há-de render-se a ti que lhe pertences.

    beijo grande

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  2. Sem dúvida que lhe pertenço.
    E ela render-se-á à minha paixão!

    Meu beijo... imenso!

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